domingo, 8 de fevereiro de 2009

O número era 1.085, a rua, a Garibaldi

NOSSA CASA NA RUA GARIBALDI, 1085

Nossa casa estava situada na rua Garibaldi entre a Av. Independência e Osvaldo Aranha. Possuía 2 andares, 2 áreas internas e 1 pátio nos fundos.
No andar superior ficavam todos os principais cômodos da casa: Sala de visitas, sala de jantar, cozinha, dormitórios e banheiro.
De frente para a rua tinha uma sacada arredondada bem espaçosa com um conjunto de mesa e cadeiras de vime, que era muito aprazível e onde ficávamos seguidamente conversando e observando o movimento da rua. Especiais eram as noites de São João quando nossos vizinhos da frente soltavam fogos de artifício com estrelinhas coloridas, um espetáculo inesquecível para mim!
A sala de jantar, espaçosa , com janelas que davam para a área interna, era o lugar de reunião da família. Todas as refeições aconteciam na grande mesa com 6 até 12 pessoas. Usavam-se diariamente louça apropriada e talheres de prata que eram devidamente lustrados todos os sábados.

Todas as refeições eram iniciadas e terminadas com uma pequena oração. Eram fartas, mas bem balanceadas. O almoço consistia de uma sopa, saladas, pratos quentes e a indispensável sobremesa. O café da manhã e a ceia eram mais simplificados com pão, frios e algum complemento quente à noite. Naquele tempo não se falava em colesterol ou triglicerídeos, comiam-se ovos, farináceos, carne, peixe, galinha, tudo preparado com banha e manteiga à vontade. Aliás, até hoje, qualquer prato preparado com manteiga é o meu preferido. Sigo os três segredos da saborosa culinária francesa que são: manteiga, manteiga e manteiga! E sigo também a recomendação de um médico nutricionista que diz: “Coma de tudo, mas não tudo!”

No andar inferior estavam a garagem, uma sala de estar e de estudos, com uma grande parede repleta de fotografias da família, dependências de empregada, um dormitório, um quarto de brinquedos, um dormitório de hóspedes, a lavanderia com sala de costura, um depósito com armários e prateleiras diversas.
As áreas internas eram muito agradáveis e frescas no verão. Numa delas havia uma grande prateleira de 3 andares, repleta de vasos de plantas as quais minha tia costumava regar todos dias à tardinha. Sinto até hoje o agradável e refrescante perfume de terra e plantas recém molhadas que se espelhava por toda a casa pelas janelas abertas!
Num canto estava um grande vaso com um pinheiro alemão que todos os anos, em dezembro, era colocado para dentro e enfeitado para o Natal. Ficava lindo e faiscante com os enfeites que brilhavam sob o efeito das velas acesas.
A outra área interna estava coberta por uma viçosa e generosa parreira que produzia lindos e gostosos cachos de uva Niágara. Meu pai cuidava muito bem dela, podando-a e colhendo aquelas uvas deliciosas que eram muito disputadas e degustadas uma a uma. Até hoje é meu tipo de uva preferida, certamente por me reportar à infância.

O pátio dos fundos era muito aproveitado, principalmente por nós, minha irmã e eu, pois ali brincávamos de tudo que tínhamos direito.
Do pátio subia uma escadaria que dava para o terraço dos fundos onde eram os dormitórios. Este terraço era todo ladeado por uma trepadeira de flores rosa também cuidada por meu pai que cuidava de todo o jardim. Ficou famoso um mamoeiro, o primeiro de Porto Alegre, que ele cultivou a partir de sementes trazidas do Rio de Janeiro pelo meu tio Gaston, deputado federal, que comia mamão no hotel, uma novidade na época. O mamoeiro cresceu rapidamente, ficou muito alto, de tal maneira que foi instalada uma escada no seu tronco para poder colher os gostosíssimos e numerosos mamões que ele produziu. Até hoje adoro mamão, como diariamente esta saudável fruta!

Depois que minha mãe faleceu meu pai resolveu abrigar na nossa casa vários familiares para nos proporcionar um ambiente caloroso e nos rodear do amor dos parentes que assim poderiam tornar menos dolorosa a nossa perda.
Passaram a morar conosco minha avó Malvina Englert, sua filha a tia Hilda (Dada), então já viúva, que foi nossa segunda mãe e mais o outro filho, tio José Carlos, solteiro. Com esta inteligente resolução, meu pai conseguiu proporcionar a nós duas, Doralice e eu, um ambiente muito animado. Com o fato de nossa avó morar conosco nossa casa tornou-se o lugar de encontro da Família Englert. Eram 8 irmãos e seus numerosos filhos, ao todo umas 30 pessoas de todas a idades que vinham visitar seguidamente a mãe e avó.

Lembro-me especialmente dos domingos quando a casa enchia de parentes após a Missa das nove horas que todos costumavam assistir na Igreja São José. Os homens costumavam se reunir na sala de visitas, atapetada, encortinada, com sofá e poltronas confortáveis, uma escrevaninha com várias gavetas chaveadas e com um armário cheio de livros misteriosos e proibidos..Lá ficavam somente os homens que, fumando charutos e deixando a sala toda enfumaçada, falavam de política, mulheres e outros assuntos proibidos para crianças.

Eram especiais os dias em que comparecia meu tio Gaston Englert, Deputado Federal, que vinha com as novidades e fofocas políticas quentinhas do Rio de Janeiro. Era a época do Getúlio Vargas, político mais nomeado nas conversas!
Esta sala ficava no fundo de um corredor, separada por uma cortina e eu costumava ficar escondida atrás dela para escutar estas conversas que eu achava muito mais interessantes do que as faladas pelas mulheres, reunidas na sala de jantar e cujo assunto era “cri-cri” (criança e criada). Como era de esperar, certa vez minha tia me pegou escondida atrás da cortina e recebi o merecido “corridão e carão”!

A criançada., os muitos primos de várias idades, ficavam brincando no andar de baixo onde estava nosso quarto de brinquedos e no pátio onde se jogava bola, caçador, sapata, etc.
Também a calçada em frente à casa era lugar de distração, principalmente para andar de bicicleta a qual pertencia a Doralice e que comandava o espetáculo, pois a fila dos candidatos era grande e precisava ser organizada a vez de cada um. Como nossa casa ficava no meio da quadra, no princípio da lomba, cada um podia dar uma volta até o fim da rua para então se posicionar novamente na fila e esperar sua próxima vez. Passávamos horas nesta brincadeira!!!

Em seguida era a hora do almoço, muito caprichado aos domingos. O prato principal era em geral preparado com as 2 galinhas que no dia anterior eram mortas com uma torcida de pescoço, depenadas e devidamente limpas para serem assadas no forno.. Os miúdos e ossos eram aproveitados durante a semana para fazer canja, risoto ou outros quitutes. Acompanhava o assado a massa feita em casa, purê de batatas , verduras diversas como couve-flor, aspargos frescos, cenoura, ervilha, etc. , tudo regado com a “manteiguinha” derretida e tostada que vinha à mesa numa leiterinha especial. Fazia parte do cardápio uma salada de batata rodeada de alface e tomate. Muito esperada era a sobremesa que variava a cada domingo: Ovos moles em taças, ambrosia, doce de leite, pudim de pão com molho de vinho, salada de fruta com creme de baunilha, sagu de uva com leite gelado, etc.

Não é preciso ressaltar que tínhamos sempre duas empregadas que praticamente faziam parte da família, pois moravam na nossa casa, nos ajudavam em tudo e eram muito bem tratadas! Além destas trabalhava em casa a lavadeira Luiza que vinha duas vezes por semana: segundas feiras para lavar e quartas feiras para engomar e passar as roupas que ficavam lindas e cheirosas!
Ao redor das quatro da tarde era a hora de dar uma volta de carro pela cidade. No Chevrolet preto meu pai nos levava a passear, seguidamente no Country Club onde caminhávamos pelo campo de golfe e pelos matinhos onde comíamos frutas silvestres.

Outro lugar que freqüentávamos era o Parque da Redenção onde tinha um mini-zoo. O que eu mais apreciava eram as aves e patinhos que se encontravam num grande viveiro com um laguinho e frondosas árvores. Gostava de ver aquelas brancas aves pernaltas caminhando com suas pernas finas ou descansando numa perna só ou empoleiradas nas árvores.. Os macaquinhos também me chamavam atenção, sempre se movimentando e fazendo acrobacias. Achava muito divertido observar os peixes que disputavam as migalhas de pão que atirávamos no lago maior.
Antes de voltar para casa meu pai ia observar as obras do Riacho Ipiranga que estava sendo canalizado e buscar a correspondência no Correio, um belo prédio com escadaria de mármore, na Praça da Alfândega, no centro da cidade.

Também íamos seguidamente, à tardinha, na Praça da Matriz no Auditório Araújo Viana onde a Orquestra de Porto Alegre fazia concertos na bela concha acústica. Ficávamos caminhando ou sentados nos bancos daquele lugar aprazível ao som das sonoras músicas.
Também agradável era o passeio que fazíamos na caixa dágua no bairro Moinhos de Vento. Os grandes tanques de água formavam espelhos que refletiam o bem cuidado jardim com frondosas árvores e canteiros floridos.

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